“Uma sobe e puxa a outra”, "A
nossa luta é todo dia! Mulher negra não é mercadoria", " O abre alas
que as negras vão passar! Somos mulheres negras e vamos nos afirmar!", "Marcha
do Quilombo marcha! Molha o pé, mas não molha a meia! Viemos lá do Quilombo
fazer Marcha na terra a alheia!”. Essas foram algumas das
frases cantadas na Marcha das Mulheres
Negras: Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver que aconteceu no dia
18 de novembro (2015), em Brasília.
A presença do Programa
Ações Afirmativas na Marcha ratifica nosso compromisso com a luta antirracista,
assim como, fortalece nossas ações contra toda forma de violência e opressão.
As imagens da Marcha, que
aqui publicamos, registradas por integrantes do Programa, não traduzem com
exatidão o brilho da diversidade cultural e discursiva que vimos nessa ocasião.
Palavras, frases, brados, cantos e poesias ecoaram as ruas do Distrito Federal,
de maneira ética, pedagógica, afirmativa, estética e política, com cor, brilho
e negritude.
Marchamos ao lado de
lideranças quilombolas, feministas, lésbicas, anarquistas, sem terra,
imigrantes, refugiadas, religiosas, pesquisadoras, estudantes, trabalhadoras
domésticas, catadoras, ribeirinhas, rurais, partidárias entre tantas mais que
representavam diferentes associações, agremiações e entidades públicas,
filantrópicas e privadas. Muitas acompanhadas de suas crianças. De fato um
momento histórico que nos alerta sobre a força das mulheres negras.
Certamente um momento único
na história desse país, nós mulheres negras construímos algo a partir do que
nos une: “nós queremos viver”! Muitas de nós certamente nunca tiveram a
oportunidade de diálogos entre si e sua diversidade de experiências vividas,
mas se colocaram disponíveis – politicamente!
Contamos com mulheres jovens,
adultas e a energia das mulheres idosas; todas de diferentes lugares do país e
da América Latina. Havia ainda homens de todas as idades apoiando a caminhada com
camisas da Marcha. A presença de crianças foi também bastante marcante,
apontando o futuro da luta. Tantas pessoas que não cabem aqui e demonstram que nossa
luta não tem fronteiras físicas; em si a Marcha é resultado de uma longa luta,
iniciada do outro lado do Atlântico e assumida pelos mais variados coletivos
negros do continente americano.
]
É pelo bem viver que fomos
para Brasília, pelo fim do genocídio de nossos filhos jovens, pelo direito à
diferença na escola e na vida, contra o feminicídio, a solidão, contra a
intolerância religiosa, descasos com a saúde da população negra. Situações
perpetuadas nas relações mais imediatas, mas absorvidas para o campo
institucional.
Por causa do racismo
institucional, mulheres negras de diferentes idades morrem em celas, abortos
clandestinos e por doenças falciformes (sem o devido tratamento); enfim, lutamos
pelo direito de viver plenamente as distintas esferas da vida; o amor,
os afetos, as relações sociais, a experiência trabalhista em diferentes
áreas, com representação pública e garantia dos direitos humanos.
E por contestar a
hegemonia e privilégios já estruturados, é que fomos desrespeitadas, sob risco
de morte, por pessoas que ocuparam o gramado do Congresso Nacional em defesa de
impeachment da atual Presidenta e intervenção militar no Congresso Nacional.
Pessoas que requerem a manutenção de seus privilégios, status quo, ameaçando a integridade
daqueles que manifestam democraticamente e lutam por justiça: reconhecimento,
redistribuição e representação. (veja a moção de repúdio ao fim do texto)
Vimos nisso tudo que as
mulheres negras têm conseguido, não sem conflitos, produzir conhecimento sobre
si (o que desejam e quais são os entraves sociais que precisam ser desfeitos
para que haja de fato maior igualdade de oportunidades); bem como, construíram
uma pauta de reivindicação e proposições políticas, por direitos e reparações,
durante e após as Marchas Estaduais.
Não se pode negar que estamos inter-conectadas
espacialmente e/ou afetivamente: vivemos a solidariedade de cuidarmos umas das
outras, no trabalho, na família, na rua, em casa, mas também nos momentos mais
difíceis, na hora da morte, no pagamento do aluguel, na compra de um remédio,
na ajuda para mensalidade da faculdade, na compra de mantimentos e o conforto
para dividir as angústias dos assédios e estupros, muitas, em total segredo.
Enfim, a luta continua
"todo dia e toda hora", como nos informam as mulheres quilombolas.
Por hora, seguimos na certeza de que estamos cada vez mais reconectadas com as
nossas guerreiras ancestrais: Dandaras, Carolinas de Jesus, Beatrizes
Nascimento, Ruths de Souza, Therezas Santos, Laudelinas Campos, Sylvias de
Oxalá, Lélias Gonzales, Angelas Davis, Stellas de Oxóssi... em busca do bem
viver! Nesse sentido, o grito "Uma
sobe e puxa a outra!" tem a força da mulher negra, tem história, memória e movimento.
Por Aline Neves Alves;
Johanna Monagreda, Michele Lopes e Yone Gonzaga.
Moção de Repúdio
Durante a realização da
Marcha das Mulheres Negras em Brasília-DF, manifestantes acampados na Esplanada
pró-impeachment e pela intervenção militar ameaçaram, constrangeram e colocaram
em risco a segurança e integridade das integrantes da marcha ao utilizarem
saudações nazistas, manifestações racistas e machistas e dispararem tiros no
meio do aglomerado de quase 30.000 (trinta mil) pessoas.
O direito de
manifestação e liberdade de expressão é direito fundamental, mas não autoriza o
discurso de ódio, incitação ao crime e discriminação.
A Marcha das Mulheres
Negras é um movimento pacífico por pautas que contemplem a interseccionalidade,
marcado por união, solidariedade e sororidade. Transcorreu sem nenhum outro
incidente.
A ação perpetrada pelos
manifestantes acampados na Esplanada pró-impeachment e pela intervenção militar
se adequa ao tipo penal previsto no artigo 15 da Lei 10.826/2003 (estatuto do
desarmamento), artigo 147 do Código
Penal e ao crime de racismo previsto na Lei 7716/89.
Agrava-se a situação
pelo fato de o autor dos disparos ser policial, em tese ciente de suas
responsabilidades e dos imperativos que regem sua função.
Numa época em que se
luta para que igualdade e dignidade humana sejam princípios universais
materiais, é inadmissível que posturas de segregação e constrangimento ainda
sejam perpetradas e permaneçam impunes.
Nossa luta é pela
eliminação de todas as formas de racismo e machismo, pelo que repudiamos os
atos criminosos em sua integralidade e aguardamos as medidas cabíveis.
A CMA/OAB/DF continua
atenta e militante na efetivação dos direitos fundamentais e no papel da OAB de
defesa do Estado Constitucional.
Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos
Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal.
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